quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Cicatrizes

Quando chegou as minhas mãos este quadrinho, pensei que ele tivesse qualidade inferior. As imagens eram legais e bem desenhadas, nada quanto a isto. O que aconteceu é que percebi que a história tinha poucos diálogos e muitos momentos com imagens contemplativas onde mostrava mais o estado de espírito da pessoa e do que ela estava sentindo através de imagens do que um texto explicativo. Só depois percebi que havia um motivo neste estilo.

Gosto de histórias como esta em que o próprio autor é o personagem principal e onde ele conta a história de sua vida. Comecei nesta seara quando li Gen Pés Descalços, quadrinho maravilhoso de Keiji Nakazawa sobre sua experiência em Hiroshima ou Maus, de Art Spiegelman. Neste quadrinho, a história não é tão pretensiosa, mas não menos dramática. Conta a infância de David Small, que passou por muitos problemas de saúde e de convívio com sua família quando criança. Além de ser sempre pressionado e reprimido em suas ações e seus pensamentos pelos pais, teve um câncer na garganta provavelmente provocado pelo seu próprio pai em alguns experimentos médicos.

Com a extração do câncer, ele ficou uma boa parte de sua vida tentando recuperar a fala. Foi ai que entendi o estilo do quadrinho com mais imagens e menos diálogos, mesmo que os outros interlocutores pudessem falar. Aquela era a visão dele mesmo em relação às outras pessoas ao seu redor. Em muitos momentos entendemos perfeitamente a emoção gerada em alguns eventos relatados na história apenas pelo olhar de um personagem que segue em vários quadros. Ele passou muito tempo desenhando, pode ter certeza.

É uma história rápida de se ler. Mas demorada de se digerir e absorver. Li em apenas dois dias, mas estou pensando nela por semanas. As pessoas não entram em nossas vidas por acaso. Existem coisas que acontecem conosco quer queiramos quer não, coisas ruins e boas. No caso da história do quadrinho, o autor sofreu muito e comeu o pão que o diabo amassou, deixando cicatrizes não apenas no pescoço, mas em sua alma. Ele suportou aquela situação, mesmo vindo de pessoas que ele amava e conseguiu dar a volta por cima ao se tornar um quadrinista e escritor. Uma boa leitura para se refletir, ver como nossas experiências nos afeta e o que podemos fazer para continuar evoluindo, não deixar que a coisa ruim nos afete e que barre nossos sonhos.

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