segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Palestras no bar

Meu sonho do dia.
Eu estava de férias em uma cidade litorânea do nordeste, quente com aquele ar salinizado vindo do mar e uma vida mais devagar que os centros urbanos. Na noite passada eu frequentei um bar quase de frente para o mar perto de uma pequena pracinha na cidade. Era um bar isolado, mas bem grande, com dois andares e aberto, feito com bambus e palhas no teto. Era tão rústico que no chão do primeiro andar a areia ia até quase dentro do ambiente. Não sei o que houve, mas tive certo desentendimento com o dono do bar. Não brigamos, mas não gostávamos um do outro.

No dia seguinte, depois de dormir na pousada, voltei à cidade e me deparei com várias barracas e palcos montados naquela pequena pracinha de frente ao bar que eu fui à noite passada. Existia uma feira de negócios ou um encontro de negociantes e tinham barracas de vários tipos feitas para palestras. Algumas, mais abastadas, possuíam um palco enorme com microfones, holofotes e espaços para o público contemplar a apresentação. Ao mesmo tempo existiam cubículos de 2 metros por 2 onde o palestrante se apertava e torcia para que algum ouvinte se aproximasse e ouvisse o que ele tinha a dizer.

Aproximei-me do local e fiquei observando o fluxo de pessoas que visitavam os stands e reparei numa moça linda e loira do lado de fora da feira. Essas barracas eram posicionadas uma ao lado da outra e se olhasse de cima estavam em formato de U no espaço da feira. Os visitantes entravam por uma grane abertura e esta moça estava numa ponta do U conversando rispidamente com o dono do bar, o mesmo da noite passada. A conversa não ia bem, percebi que eles não se gostavam e ele parecia estar dando uma dura nela, repreendendo-a por causa de alguma coisa. Não entendi muito bem. Enfim. Logo depois ele a deixou e voltou para seu bar em frente à praça. A moça permaneceu um pouco mais fumando um cigarro. Quando terminou, abriu uma pequena portinha na parede ao lado de um dos stands e entrou em uma pequena barraquinha. Descobri então que ela era uma das palestrantes do local.

Resolvi me aproximar da barraca dela. O barulho era ensurdecedor. Imagina vários palestrantes falando ao mesmo tempo um ao lado do outro. Entre os pequenos palestrantes, não havia problema, pois aparentemente eles falavam baixo e não prejudicavam o outro que estava ao lado. Mas o problema eram aqueles que tinham microfones e música. Para se ouvir estes menores tínhamos que nos aproximar do balcão.

Muitas dessas pequenas barracas não havia nenhum ouvinte para sua palestra, eram ignorados, mas os palestrantes deveriam discursar independente de ter alguém escutando, como se fosse uma televisão ou um boneco. Então várias pessoas estavam falando para um ouvinte imaginário na sua frente, fazendo uma performance sem público enquanto os visitantes circulavam pela feira.

Neste momento cheguei próximo da barrada da loira e tentei ouvir o que ela estava dizendo. Ninguém a escutava, apenas eu. O barulho estava muito forte, principalmente o que tinha do outro lado do U, onde havia o grande palco com um microfone e que estava sendo acompanhado por várias pessoas. Na barraca da loira tinha posters com mapas e camisetas pendurada, livros expostos para vender.

Como sua voz era baixa, me aproximei e estiquei minha orelha pra tentar ouvi-la. Ela percebeu minha chegada, mas continuou sua exposição de onde estava como se nada tivesse acontecido. Seu sotaque era lusitano e a parte que consegui ouvir da palestra era que ela vivia em uma cidade litorânea de Portugal e que tinha sido prostituta por um tempo e contou outras coisas de sua vida até que acabou a história. Acompanhei, na verdade, apenas os dez minutos finais, mas estava fascinado por ela. A seguir, seria a hora das perguntas e eu não tinha muito material para formular uma questão já que prestei atenção apenas no final da sua palestra.

- De que lugar de Portugal você veio, de Lisboa? – perguntei. - Não, de Guimarães. - Me desculpe, mas acho que só ouvi o final de sua palestra. - Não tem problema. Se quiser ouvir de novo, faço outra daqui a duas horas.

Ela sorria de um modo bem simpático e agradável. Eu queria conversar mais com ela, saber mais sobre sua vida. Fiquei impressionado por ela ter dito que se prostituía no cais do porto. Pra mim este lugar é um lixão onde só se recebe os piores tipos de caras. Ela era linda, como era possível que ela tivesse frequentado aquele lugar rústico?

- Um cais do Porto deve ser um lugar muito rústico e agressivo né? – perguntei tentando decifrá-la.

Ela não me respondeu. Virou-se, saiu por aquela portinha na lateral da barraquinha e me levou em direção do bar. Ao passarmos na entrada, o dono do bar que estava no balcão mais a frente olhou para a gente com um olhar de ódio em uma cara fechada. Senti a tensão no ar, mas estava mais interessado na moça. O bar estava cheio e para chegar numa mesa lá dentro, tivemos que passar por várias pessoas que se acotovelavam de pé na entrada. As pessoas gostavam de beber de pé conversando e olhando a paisagem do lado de fora. Dentro do bar as mesas estavam mais vazias e também o ambiente estava mais fresco por causa da sombra do teto. Lá fora o sol estava bem forte.

Em todos os momentos eu carregava um livro debaixo do braço. Minha consciência da vida real já influenciou minha vida dos sonhos, pois projetamos nossa aparência em um sonho do jeito que achamos que somos. Se alguém me achar na rua, é certeza que eu estarei com um livro debaixo do braço. Ao sentarmos, coloquei o livro em cima da mesa com a capa pra cima. Ela na hora olhou para o livro pra saber qual eu estava lendo. O livro se chamava “Sereia Sereia” e era de um escritor francês chamado Gaulle não sei das quantas. Perguntei se conhecia e ela confirmou que já leu de um modo como se fosse óbvio que já tinha lido tal obra. Um pouco envergonhado disse que nunca tinha lido nada deste autor e que havia escolhido este como teste pra ver se eu gostaria. Ela assentiu, com educação.

Eu estava impressionado por ela se demonstrar culta, inteligente e bonita ao mesmo tempo. Como uma moça daquelas acabou se prostituindo no cais do porto? Eu queria abordar a questão sem ofendê-la, de um modo mais sutil e não estava conseguindo formar a frase. Repeti aquela que eu tentei fazer e não tive resposta: “Um cais do Porto deve ser um lugar muito rústico e agressivo né?”.

Fiquei sem resposta novamente, mas desta vez porque acordei. Fiquei fascinado com a riqueza de detalhes que lembrava. Depois de me levantar, fiquei curioso em descobrir se as coisas que lembrava realmente existiam. - Em primeiro lugar entrei no Google e procurei por Guimarães e sua localidade no mapa de Portugal. Para minha decepção, Guimarães não é uma cidade litorânea como a loira disse no meu sonho. - Procurei por um livro chamado “Sereia sereia” e não achei nada. - Procurei por um escritor chamado Gaulle e a única coisa que o Google me traz são informações sobre Charles de Gaulle, ex presidente Francês.

Mas vale pela história.

Um comentário:

  1. Que sonho interessante! Eu fiquei curiosa também, mas o único escritor, na verdade, filósofo, de quem já ouvi falar, é Gilles Deleuze... Achei que o nome lembra... Já as sereias, têm tudo a ver com Ulisses!!

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