sexta-feira, 31 de maio de 2013

Medo

O Saulo mais uma vez insistia para que sua amiga Ester fizesse algo de bom e deixasse que as amarras da vida bloqueassem suas ações.

- Ester, pare de ter medo de tudo. Não tenha medo de se arriscar, de cometer erros, da resposta negativa. Encare tudo isto como um aprendizado.

- É muito fácil falar, Saulo. Este discurso do politicamente correto é bonito de se falar, mas na prática as coisas não acontecem como nos contos de fadas. A vida é difícil.

- Não pense deste modo negativo Ester. O negativo atrai mais coisas negativas, vira uma bola de neve interminável. Só você pode parar o círculo vicioso, mesmo que no início seja difícil.

Ela pensou uns instantes, incomodada pelo o que ele falou. Ela até achava que o que ele dizia fazia sentido e refletiu por uns instantes se seria possível tomar uma atitude positiva mesmo que não fizesse sentido no início.

- Eu sei que você tem razão Saulo. Mas acho que não adianta nada. Se eu mudar, as coisas vão continuar as mesmas. Eu vou mudar apenas por fora, para que as pessoas olhem pra mim e acreditem que eu realmente mudei. Mas sei que por dentro eu não mudei, continuo a mesma. Será só fachada, falso, apenas uma maquiagem, cobrindo tudo aquilo que sinto por dentro para que as pessoas gostem de mim.

- Não tem problema Ester. Tudo o que eu lhe peço é que tente. Mesmo que você não acredite no início, continue insistindo na tecla da mudança. As coisas vão mudar com o tempo, aos poucos o que você faz acaba mudando o seu interior. Do mesmo jeito que quando você pensa negativo atrai ações negativas, eu acho que se você fizer ações positivas atrairá pensamentos otimistas da mesma forma. Com o tempo sua mente começa a acreditar no que você estará fazendo. Mas tudo isto só acontecerá se você tiver perseverança e quiser realmente mudar.

Ester se irritou com o rumo que a conversa estava tendo. Ele insistia na mesma tecla invasiva e ela se incomodava com isto.

- Mas este é o problema. – disse Ester. Não sei se quero mudar. Na verdade quero e não quero ao mesmo tempo, é estranho até de tentar explicar pra você. Eu até quero mudar, mas tudo o que eu já tentei na vida deu errado. Essas coisas trazem muita dor. Viver é dor. Não quero passar por estes momentos de novo. Eu até entendo que não posso me acomodar, mas eu já tentei antes e não funcionou. Do que adianta ficar tentando, quebrar a cara e nada mudar. Você diz que eu ao tento mudar, mas não é verdade. Eu já tentei muito e só me ferrei. Já estou um pouco resignada em aceitar a minha condição miserável.

- Não pense assim. Por que Deus criaria alguém sem valor? Não tem sentido na sua história. Todo mundo tem o seu valor e a sua beleza. Não sou tão religioso assim, mas acredito que fomos criados pra conquistar tudo o que queremos. Nossos sonhos são possíveis, se tivermos perseverança e não nos abatermos como os problemas da vida. Saulo pensou por um momento. Ela estava aparentemente nervosa. A conversa não estava progredindo e ele não conseguiria fazê-la mudar de idéia. Tentou explicar o que ele estava pensando de outra forma.

- Ester, vou tentar explicar contando sobre uma coisa que li na internet. Não sei se é verdade ou não, mas é apenas ilustrativa.

Dizem que quando o circo compra um elefante para aparecer em suas atrações, eles contratam um domador para ensinar uns truques. Mas como o animal é muito grande não existem jaulas imensas para acomodá-lo. E circos itinerantes não dispõem de estábulos grandes ou armazéns para acomodá-los. É preciso prendê-los ao ar livre mesmo com correntes muito grossas em estacas fincadas no chão. O elefante é um animal muito forte, por isto as correntes são imensas.

Quando criança, o elefante tenta fugir várias vezes quase todo dia, mas nunca consegue por causa das correntes. Com o tempo ele vai diminuindo às vezes em que tenta escapar até um momento que aceita seu cativeiro e desiste da fuga. Dizem que quando adulto o elefante, se quisesse, até poderia arrancar as correntes já que possui uma força bem maior de quando era criança, mas ele nunca mais tentou escapar. Outros contam que podem até amarrar um barbante na perna do elefante no lugar das correntes que o bicho não tentará fugir com a lembrança da época que tinha correntes. Sua mente já está condicionada a aceitar que nunca conseguirá fugir.

- Este animal da história é você Ester. Você deixou o medo da decepção tomar uma proporção maior do que você acha e que nunca irá superá-las. Mas é um erro. Cada situação é diferente da outra.

Aparentemente Ester entendeu e ficou pensativa, achando até graça na história do elefante, achando-o tolo por não tentar escapar quando está apenas com um barbante prendendo sua perna.

- Saulo, eu te entendi. Fazendo uma analogia, do mesmo modo que você fez antes, eu encaro os desafios como uma cerca eletrificada. Se eu todo uma vez, dá choque. Duas, dá choque. Depois da décima quinta eu não terei vontade de tocar lá. Mesmo que alguém desligue a energia, eu terei medo de tocar naquela cerca. Eu sei que ela me faz mal. Como posso saber se ela não vai me dar choque de novo? Não quero tocar só pra conferir se a energia ainda está correndo. Tudo bem que você me diz pra nunca desistir e sempre tentar de novo. Mas é terrível pra alguém que já levou tanto choque antes.

- Mas.. – Saulo tentou contra argumentar, mas foi interrompido pela Ester.

- Saulo, você tem que olhar no meu ponto de vista também. Não adianta olhar de cima e querer ditar regras como alguém superior. Eu já entendi seu recado. Vou pensar mais sobre isto. Não entenda mal, cada um tem um tempo de absorção. Eu preciso de um tempo para refletir. Obrigada pelas palavras de incentivo, mas gostaria de encerrar a discussão. Captei a mensagem.

Neste ponto Saulo achou que não adiantaria falar mais, seria como dar murros em ponta de faca. Mas concluiu que sua conversa teve algum efeito em sua amiga. Mesmo que mínimo, já valeu para fazê-la pensar no assunto.

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