segunda-feira, 16 de abril de 2012

Conto – O Toco

Renato queria viajar para Salvador, mas não tinha compania. Como era um mês fora de temporada, seus amigos trabalhando e era solteiro sem namorada ele resolveu ir assim mesmo sem ligar para o fato de estar sozinho. A alternativa seria ficar em casa sem fazer nada desperdiçando as férias anuais da empresa.

Planejou com cuidado os lugares que desejava visitar, fez um cronograma, checou as passagens de avião e ao procurar um lugar para se hospedar quase caiu para trás quando viu os preços cobrados pelos hotéis. Resolveu pesquisar pousadas e albergues e foi quando descobriu uma comunidade no Orkut em que os participantes trocavam experiências sobre viagens. Decidiu ler as opiniões e pedir dicas de melhores hospedagens. Uma moça sugeriu o albergue que além de ser muito barato, tinha a possibilidade de conhecer outros viajantes como ele e sempre é uma oportunidade de novas amizades. Chegou a trocar alguns e-mails com esta moça, que tinha o nome de Kátia Flávia no seu perfil e uma foto pequena e embaçada, difícil de identificar, e pegou várias dicas. Ela disse que pretendia ir à Salvador uma outra época, mas como o Renato estava indo e ele parecia um cara legal resolveu viajar pra lá na mesma semana aproveitando que tinha uma compania para visitar os lugares turísticos. Na hora o Renato aceitou.

Ao chegar lá, localizou o albergue, se hospedou, tomou um banho, se preparou e ligou para Kátia. Ela resolveu pegar um ônibus do aeroporto ao albergue pra economizar, o contrário de Renato que pegou um táxi. Antes dela chegar, Renato pensou em como ela seria pois só sabia que era branca e com cabelos longos pretos, que era o que dava pra identificar em sua foto. Até bateu uma certa dúvida em sua cabeça de ser alguma pegadinha. Foi muito fácil conseguir uma compania com uma mulher solteira assim. Será que ela vai me roubar? Será que é feia de doer? Várias dúvidas abateram sua cabeça mas sua expectativa apenas aumentou. Estava feliz por ter conseguido fazer uma amizade nas férias.

Ao chegar ela imediatamente o localizou em um sofá no albergue, gritando seu nome, e chegou abraçando-o. Ele percebeu que teria uma certa dificuldade de reconhecê-la, mas na hora percebeu que era o que ele sempre quis: muito bonita e simpática. Indicou para ela os procedimentos a tomar, o atendente do albergue, os quartos e assim que ela se arrumou, se prepararam para sair.

Ela era bem mais extrovertida que ele. Falou com outros hóspedes solicitando informações de condução e preços dos locais que visitariam. Então saíram e pegaram o ônibus. Ela conversava com ele na maior naturalidade como se se conhecessem há muitos anos. Contava os percalços pelos quais já passou, sobre o serviço que ela tinha tirado uma folga de uma semana para realizar a viagem, os familiares que tinha, que a mãe também estava viajando naquela mesma época só que no sul do país e blá, blá blá. Era não parava, muito excitada pela viagem e pelas descobertas de uma terra nova. Ele apenas olhava, acompanhava a conversa mas intervinha pouco. Estava gostando muito dela mas como era mais reservado não tinha tanta desinibição assim. Visitaram pontos turísticos, tiraram fotos e almoçaram comida típica baiana. Chegaram exaustos no albergue e praticamente capotaram em suas respectivas camas depois de tentarem visitar todos os lugares em um único dia.

No dia seguinte, já restabelecidos, tomaram café da manhã. Ele estava muito atraído por ela. Era muito linda e cheia de idéias engraçadas. Não conseguia tirar os olhos dela e tentava ser o mais agradável possível, sendo educado e cortês. Ele pensava “É muita areia pro meu caminhão. Nunca teria chances com ela.” enquanto comia um brownie e ouvia outra história maluca. Enquanto seus lábios diziam sobre as maravilhosas praias que eles teriam que visitar, ele praticamente não prestava muita atenção apenas concordava com a cabeça.

Visitaram uma das praias mais próximas do farol e a viu de biquíni. Ela era ótima. Ele ficou com vergonha de tirar a camisa e parecia um turista gringo na praia, todo vestido. “Não teria chances com ela”, ele pensava. No final da tarde os dois foram num barzinho de frente ao mar tomar alguma coisa. Ela, já um pouco cansada, pouco falou e ambos ficaram ouvindo “Janis Joplin” tocar no rádio do bar e olharam as ondas do mar se chocarem enquanto degustavam uma boa cerveja.

Depois da segunda garrafa aberta ele, de óculos escuros, olhava para o mar e às vezes para as pernas dela que eram bem torneadas. Ela estava em puro êxtase, com o som alto e a brisa do mar batendo em seu rosto. Começou a passar na cabeça dele a idéia de beijá-la. Mas tudo dizia que ela não queria, que iria rejeitá-lo, que não daria certo. Mas cada gesto que Kátia era erótico para seus olhos. Uma ajeitada dos cabelos atrás da orelha, uma coceira que ela deu na batata da perna, um gole de cerveja, tudo parecia que ela estava o atiçando. Mas esta mulher nunca vai me dar bola, pensava. Mas ao mesmo tempo ele percebia que ela estava sozinha com ele. Depois de tanto papo ela nunca mencionara um namorado ou algum caso. Por que estava tão certo de que seria rejeitado? Ele pensava ser realmente feio e desajeitado. Uma mulher deste quilate não ficaria comigo. Será? Uma leve dúvida pairou em sua mente e então pediu mais uma cerveja. Se tiver mais alguma ação, será depois desta garrafa.

Já estava escurecendo quando decidiram voltar para o albergue um pouco mais cedo. Pagaram a conta e foram conversando sobre assuntos aleatórios. Ele estava com vontade de abraçá-la e sem pensar muito o fez. Ela também o abraçou e andaram juntos assim para dentro do albergue. Ao entrar se separaram e foram cada um para seu quarto tomar banho antes de sair para o jantar. Depois de um abraço e do carinho dela, ele achou que poderia ter chances sim. Então se preparou para o abate.

Os dois se sentaram em um dos sofás no lobby e ficaram um pouco sem se falar, um pouco anestesiados pelo álcool que tinha tomado minutos atrás. Ele olhou para ela e assim que ela olhou de volta ele avançou e tentou beijá-la. Ela se afastou como por instinto. Ele segurou sua mão e tentou de novo. Desta vez ela além de se afastar empurrou um pouco ele perguntando o que ele estava fazendo.

- Eu queria te beijar. Não posso?
- Não. Calma ai. Eu não to afim. Pensei que éramos amigos.
- Sim, somos amigos. Mas eu queria mais de você.
- Não. Nem sei quem é você direito. Eu contei tanta coisa sobre mim e você nunca me falou nada. Até onde eu sei você pode ser qualquer um. Até um bandido. – Kátia disse já se levantando e tomando uma distância do sofá.

Ele ficou já um pouco desconfortável com esta atitude. Se ela não quisesse era só dizer. Agora ter esta atitude e ainda chamá-lo de bandido já era demais. O orgulho dele ficou um pouco ferido.

- Olha, tudo bem. Não precisa se exaltar. Se não quiser, tudo bem.
- Tudo bem nada. Eu nunca tenho amigos. Os homens sempre querem ficar comigo e nunca tenho amigos pra passear. Pensei que com você seria diferente. Agora a situação ficou estranha. Gostaria de parar por aqui. Não quero mais passear com você.
Desta vez ele ficou chateado. A reação dela não era a que esperava nem nos piores pensamentos.

- Por favor, sente-se aqui do meu lado. – Renato pediu com educação.
- Não, eu já disse que não to afim de ficar com você. – ela resmungou.
- Não é isso. Prometo que não farei nada contigo. Só gostaria de conversar.
Ela pensou um pouco e se sentou. Também não era pra tanto, reconheceu.
- Olha. – pensou e falou com cuidado - Me desculpe por isso. Não quero que a gente deixe de ser amigo. Eu me senti atraído por você sim e pensei “Por que não?”. Acho que a gente só pode se arrepender do que não fez em vida e não do que fez. Era uma oportunidade e pensei que a pior coisa que poderia acontecer era você dizer não. E foi justamente o que aconteceu. Não quero perder sua amizade e gostaria que esquecesse o que aconteceu.

Ela ficou um pouco envergonhada com a atitude que teve. Não tava afim de ficar com ele naquela hora e a sinceridade do Renato fez que com suavizasse o momento. Ela pensou um pouco e no clima que ficaria depois disto, mas resolveu ficar, afinal ainda faltavam 3 dias.
- Tudo bem. Me desculpa pelas coisas que disse também. Não queria ser grossa.

- Tudo bem. – disse Renato, já chamando ela pra jantar.
Ele tentou fazer com que a conversa fosse para outro lugar mas Kátia ficou pensando no assunto um pouco constrangida e até falou menos que Renato.

No dia seguinte, se encontraram e foram para outra praia. Ela constrangida e ele derrotado. Mas ambos tentando parecer normais e tentaram se divertir. Enquanto ele estava colocando uma pá de cal em cima de suas intenções e da possibilidade de ficar com ela. Já Kátia pela primeira vez olhou para ele com curiosidade, com outros olhos desta vez. Até a noite passada ele era apenas um amigo e agora sabendo que ele gostava dela ela começou a avaliá-lo.

Renato, já resignado, chamou-a para jogar vôlei de praia, depois compraram um sorvete e pareciam velhos amigos novamente. No final da tarde ambos foram para os quartos tomarem banho e quando se reencontraram ela ao olhar para ele viu que era um cara muito bonito e divertido. Ela estava feliz por tê-lo ali para partilhar da viagem e se sentia muito a vontade com ele. Ela tentou ser mais carinhosa, mas ele já não a tratava com tanta proximidade, talvez com medo de outra reação igual à noite anterior. Quando ela chegava perto ele discretamente desviava.

Jantaram juntos e ela olhava para ele dando uma indireta, mas ele não entendia assim. Para Renato ela era naturalmente sensual, qualquer coisa que fizesse parecia que estava dando bola para ele mas na verdade era só o jeito dela. Ele não sabia diferenciar entre o interesse e seu jeito natural. O dia seguinte seria o último que passeariam em Salvador então se tinha que acontecer alguma coisa seria agora. Quando terminaram, Renato foi acessar a internet enquanto ela ficou assistindo televisão. Quando ele levantou e disse:
- Acho que já vou dormir.
- Fica mais um pouco aqui comigo – pediu Kátia.
- Mas eu não gosto de novela.
- Vamos nos sentar lá fora e aproveitar a brisa. Eu só estava dando um tempo aqui. Também não sou muito fã de novela não.
Então foram pra área de fora observar a paisagem e Kátia resgatou aquele assunto que ambos estavam pensando.
- Desculpa por aquele dia. Eu não estava com a cabeça muito boa.
- Sem problema. Já passou. Não fiquei chateado não. – disse Renato chateado.
- As coisas acontecem em seu curso natural. Não sou assim de ficar com alguém do nada. Eu gosto de conversar com a pessoa e conhecê-la melhor. Só depois que pode rolar alguma coisa – Kátia disse, colocando a mão em cima da de Renato.
Só o toque dela já dava um arrepio em sua pele, mas até o último instante ele ainda achava que tudo isso fazia parte o seu jeito de ser. Ficaram os dois se olhando durante alguns segundos em silêncio e ele pensou “Ah, dane-se”. Ele se inclinou para beijá-la e ela aceitou numa boa. Os dois ficaram durante vários minutos trocando carícias até que pararam um pouco, abraçados.
- Achei que você não queria nada comigo. – disse Renato, tirando um sarro.
- Pois é. Resolvi te dar uma chance. – Kátia disse já rindo.
- Que pena que amanhã já temos que voltar.
- Vamos aproveitar hoje e esquece amanhã. Viva o presente.

Um comentário:

  1. Pelo menos Renato conseguiu ficar com Kátia mesmo que tenha sido por uma noite. Big beijos

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